Travessia Invernal do Maciço Central
A Travessia da Serra da Estrela no Inverno é sem dúvida "a mãe de todas as caminhadas"!
A Serra da Estrela é dos maiores parques naturais do país e o que ostenta a maior altitude, apresentando paisagens e habitats únicos. É também o único sítio de Portugal onde ainda se podem observar as marcas deixadas pelos antigos glaciares.
A proposta foi uma caminhada de montanha invernal em dois dias onde, por trilhos e caminhos de montanha, o percurso conduziu-nos ao longo dos dois maiores vales glaciários da Serra, com passagem pela Torre (1.993m) e típicas aldeias de montanha.
FICHA TÉCNICA
Datas de realização: 21 e 22 de Fevereiro 2015
Desnível: 1777m positivos; 1822m negativos
Tipo de percurso: Linear (Loriga - Manteigas)
Distancia: 37,6 km
Etapas: 2 dias
Duração: 13:55 horas (marcha efetiva)
Dia 21 de Fevereiro.
Etapa 1: Loriga-Covão da Areia-Covão da Nave-Covão do Meio-Lagoa
do Covão das Quelhas-Lagoa Serrano-Torre-Covão de Ferro-Covão da Mulher-Lago do Viriato-Penhas da Saúde
Distancia: 20,4 km
Marcha efetiva: 8:50 horas
Dia 22 de Fevereiro.
Etapa 2: Penhas da Saúde-Nave de Santo António-Covão D`Ametade-Vale Glaciar do Zêzere-Covão da Ponte-Covão da Caldeira-Caminho das Lameiras-Covais-Caldas de Manteigas-Manteigas
Distancia: 17,2 km
Marcha efetiva: 5:05 horas
1ºDIA
Iniciamos o trilho, na Avenida Augusta Luís Mendes, na Vila de Loriga, situada na Serra da Estrela, a cerca de 770 metros de altitude. A vila, encontra-se como que protegida por duas sentinelas vigilantes e altivas que parecem tocar no céu, que são a Penha do Gato, com cerca de 1800 metros e a Penha dos Abutres com mais de 1800 metros.
Para o caso de algum de nós não saber ao que ia, o início mostrou logo o que nos esperava… subida e mais subida e sempre mais íngreme. A fase inicial foi pelas ruas da vila e depois um caminho de terra, onde podemos apreciar as magnificas panorâmicas de Loriga e da sua praia fluvial e também os primeiros vislumbres da "garganta de Loriga”. À medida que progredimos o trilho foi tornando-se mais “duro”, quer pelas pedras, mas também pela neve e gelo que começou a aparecer, mas em compensação a paisagem era soberba.
Lá chegámos à garganta, ao covão da areia, ao covão da nave e sempre com uma vista de cortar a respiração do vale glaciar...
Seguiu-se o Covão do Meio - A lagoa do Covão do Meio foi construída no 2.º covão glaciar (a contar de cima) do vale glaciar de Loriga. A título de curiosidade, este vale glaciar é, de todos os vales glaciares da Serra da Estrela, aquele que possui maior número de covões glaciares, ao todo são quatro ("ombilic", como termo técnico) bem definidos e percetíveis. A lagoa do Covão do Meio entrou em funcionamento em 1953. É uma lagoa artificial do tipo “arco de abóbada” que possui um dique de 25 metros de altura (ponto máximo) e uma extensão de 287 metros. Como caraterística mais evidente desta lagoa, é a existência de um túnel de aproximadamente 2355 metros de extensão, que canaliza a água para a Lagoa Comprida.
Continuamos caminho e chegamos ao Covão Boeiro, aqui a neve e o gelo obrigavam a redobrar os cuidados na progressão, pelo que se fez lenta… seguiram-se as lagoas, o trilho segue entre a lagoa do Covão das Quelhas de um lado e a lagoa Serrano do outro. Com maior ou menor dificuldade lá chegámos à Torre, cansados, mas com a enorme satisfação de ter chegado ao ponto mais alto de Portugal Continental (1993 metros). Aqui aproveitamos o pequeno centro comercial da torre para almoçar, juntando, aquilo que tínhamos levado, com o que compramos no momento, retemperamos as forças e os ânimos para continuar a travessia… até ao local escolhido para a pernoita – a Pousada da Juventude das Penhas da Saúde.
Ao sair da Torre não usamos a Rota do Glaciar - PR6MTG, optamos por seguir em direção ao Covão de Ferro pela meio da serra… e lá fomos descendo, encontrando, aqui e ali, umas mariolas que nos orientavam, juntamente com o GPS. Troço difícil e perigoso pela neve e gelo que encontramos nas encostas íngremes que tivemos de passar. Há medida que progredíamos e nos afastávamos da Torre, a neve ia diminuindo e ora saltando de pedra em pedra, ora atravessando a vegetação que nos dava pela cintura lá fomos avistando a Barragem do Covão de Ferro, que contorna-mos pela sua esquerda em direção ao Covão da Mulher. Daqui seguimos pela estrada de alcatrão até à interseção com a N339, que deixamos alguns metros à frente, por densa vegetação, à procura de caminho de pé posto que nos levaria às Penhas da Saúde. Começamos a avistar as primeiras mariolas do Trilho dos Pastores, as quais seguimos até ao Lago do Viriato e daqui rapidamente chegamos à Pousada da Juventude.
Terminamos esta etapa já o sol desaparecia na serra…
Depois de nos instalarmos na camarata e de um retemperante banho quente, ainda ouve tempo para descansar um pouco as pernas, antes do jantar no restaurante Varanda da Estrela para degustar o famoso arroz de zimbro.
2ºDIA
Depois do pequeno-almoço da Pousada da Juventude, começamos esta 2ª etapa em direção ao Lago do Viriato, mas hoje contornamos pelo seu lado direito, no inicio um pouco a corta-mato, mas lá encontramos um caminho florestal que nos levou até à barragem do lago. Depois foi seguir, por caminho de pé posto, ao longo da sua vedação de rede, aqui e ali uma vegetação mais densa e algumas linhas de água que nos obrigavam a procurar o melhor local para as atravessar, e começamos a avistar o Centro de Limpeza de Neve e a N339 a qual atravessamos em direção à Nave de Santo António, local de interseção com a Rota do Glaciar - PR6MTG.
Percorremos a Nave de Santo António, seguindo as marcações do PR6MTG, embora a saída para a N339 foi feita fora do PR6MTG, o que nos levou a percorrer mais “alcatrão”. Esta parte do trilho tem aproximadamente cinco quilómetros de estrada, mas permite duas panorâmicas magnificas, uma sobre os três cântaros (Raso, Magro e Gordo), outra sobre o Vale Glaciar do Zêzere. Chegados à curva em cotovelo da N339, desviamo-nos para visitar o Covão D`Ametade, local escolhido para uma pausa e reforço da manhã. O Covão D`Ametade é uma depressão onde repousam sedimentos originando uma pequena planície naquilo que foi uma antiga lagoa de origem glaciar.
Seguimos caminho pela N339 até cortar à esquerda em direção ao Rio Zêzere, por um trilho de pedras sempre a descer até ao Vale do Glaciar. O percurso acompanha o refrescante Rio Zêzere, entre quadros que emolduram o azul do céu e o verde do Vale, o percurso é fácil e agradável, num silêncio interrompido pelo som das águas…
No fundo do Vale Glaciar do Zêzere é possível observar os pastos verdejantes, os rebanhos de ovelhas, as casas típicas da serra – “cortes” e a Vila de Manteigas perfeitamente encaixada no vale.
Rapidamente alcançamos o Covão da Ponte, o caminho de pé posto dá lugar a um estradão que nos leva à ponte que usamos para mudar de margem e alcançar o Covão da Caldeira, já no caminho das Lameiras as casas começam a intensificar-se e chegamos a Covais, continuamos a descer até às Caldas de Manteigas, local escolhido para almoço – Taverna das Caldas, como já é habitual, juntamos aquilo que levamos com o que compramos na taverna e lá fizemos o nosso banquete.
Daqui até ao fim do trilho foi num ápice, atravessamos a zona de fabrica de lanifícios de Manteigas e subindo a Rua Padre António Tarrinha chegamos à Igreja de São Pedro em Manteigas, local de termino desta travessia.
CURIOSIDADES SOBRE OS VALES GLACIARES DA SERRA DA ESTRELA:
O belíssimo Vale de Loriga teve origem glaciar, tal como o Vale do Zêzere, este situado do lado oposto da Serra da Estrela. O mesmo glaciar, que se situava no planalto superior da serra, dividiu-se e rasgou estes dois vales, e outros vales menores e menos imponentes.
Porém, os dois vales glaciares mais imponentes da Serra da Estrela são diferentes porque as condições geológicas foram um pouco diferentes. Do lado de Loriga, o granito era mais compacto e sólido, pelo que os efeitos erosivos do glaciar foram diferentes e dificultaram a erosão ao Glaciar de Loriga. Assim, enquanto do lado de Manteigas o glaciar abriu o caraterístico vale em U aberto, com um traçado retilíneo numa extensão de cerca de oito quilómetros, é o maior dos vales glaciares da Estrela. No pico da última glaciação, o glaciar do Zêzere terá atingido um comprimento de 13 quilómetros e, em alguns locais, uma espessura de 300 metros. A grande profundidade do vale é o resultado da ação fluvial durante os períodos pré e interglaciários, tendo a forma em U sido modelada pelo gelo durante a última fase glaciar.
Do lado de Loriga o gelo rasgou um vale mais estreito, deixando altos penhascos e encostas escarpadas, um cenário não menos espetacular, outra caraterística do vale, são as depressões em socalcos, onde outrora existiram lagoas, e que são conhecidas como covões. A maior dessas depressões teve aproveitamento hídrico considerável, a Barragem de Loriga - Barragem do Covão do Meio.
OBSERVAÇÕES:
Sem ser complicado, o primeiro dia, é um percurso duro do ponto de vista físico e mental pelas subidas íngremes, distancia a percorrer e peso da mochila. A neve e o gelo, como foi o caso, dificulta muito a progressão e torna o trilho perigoso.
ATENÇÃO À NEVE E GELO, ACONSELHA-SE O USO DE EQUIPAMENTO ADEQUADO PARA TRAVESSIAS INVERNAIS.
Percurso não sinalizado na totalidade, mas entre as marcações e as mariolas não há problemas de maior, mas aconselho o uso de GPS ou cartas militares.
O trilho está transitável, embora nalgumas zonas o mato chega à altura da cintura, o que dificulta a progressão.